- by Miguel Nogueira (DieaGun) - Este é o capítulo um do meu primeiro romance de ficção, intitulado "Projecto 8". O romance ainda se encontra em fase de escrita mas espero que gostem desta primeira amostra
Capítulo Um
Hoje toda a gente acorda ao som da chuva, de uma manhã cinzenta, um dia pálido, como um cadáver apodrecido, debaixo da terra que um dia ele próprio caminhou. Apenas nos aglomerados habitacionais de Washington D.C, se encontra tanta variedade de vida, uma mistura inumada por entre quatro paredes de vidro, à espera de alguém que atire a primeira pedra e liberte a vergonha, o medo que todas aquelas casas encerram dentro de si. São oito da manhã em ponto, o vento ruge como há muito não se ouvia, levando consigo as folhas que caem moribundas das árvores com o passar de estações. Ao fundo da rua, de dentro de um carro, ele fuma um cigarro e expira o fumo, que devagar desvanece mas que mesmo assim se impregna no ar e corrói a qualidade de vida. Desde as cinco da manhã que ele aguarda pacientemente. Ansioso vai olhando para o relógio enquanto saca outro bafo no cigarro. Não se via um temporal desta força há já algum tempo, mas os americanos já se começam a habituar à devastação da mãe natureza. A meteorologia ainda previu chuva e vento forte, mas nunca com esta intensidade. Como é normal nunca acertam realmente no que se vai passar com o tempo: uma ciência ambígua mas necessária. A porta de uma casa abre, um homem sai e abre o guarda-chuva. A filha chega-se a ele, pondo-se por baixo do guarda-chuva. A mãe vem à porta, baixa-se e beija com carinho a filha na cara. Levanta-se e beija o marido, sorrindo de forma suave, como uma breve despedida. Os dois apressam-se para o carro: um Hyundai Sonata metalizado. A rapariga acena à mãe, enquanto esta acena de volta, e fica a observar o carro desaparecer no vento e na confusão de folhas e lixo que pairam pelo ar embatendo contra tudo de forma violenta e indiscriminada. De dentro do carro preto, ele continua a fumar o seu cigarro, vê a porta fechar e, olha pelo retrovisor, não vendo o carro que acabara de partir, nem uma única pessoa na rua. Então chegou a hora. Abre o porta-luvas e retira umas luvas pretas que veste logo de seguida. Ele sai do carro, a chuva e o vento vão ao seu encontro de forma bruta, mas mantém-se firme, dá uma última passa no cigarro e atira-o para o chão. Este mal cai no chão, extingue-se. De gabardina e carapuço para cima, começa a dirigir-se para a casa. Os cabelos compridos molhados, fogem-lhe para a frente da cara, mas ele continua de olhos postos na porta. Atravessa o pequeno jardim da casa, decorado com arbustos, flamingos e, pequenos duendes, que agora jazem no chão caídos. Toda a relva está bem cortada e os arbustos bem aparados, indicando atenção e, trabalho. Ele encontra-se parado em frente à porta. A água escorre-lhe pela face, os cabelos voam à frente dos seus olhos, enquanto as pingas da chuva lhe caem das pontas dos dedos. Finalmente decide-se e toca à campainha. Espera durante uns momentos… nada! Não obtém resposta alguma nem ninguém abre a porta. Então, volta a tocar, desta vez pressionando por mais tempo o botão. Desta vez ele ouve alguém começar a descer as escadas, “Já vai, já vai!”, respondem do outro lado. A porta abre. À sua frente está a mulher ainda de robe, o cabelo está molhado, tinha acabado de sair do banho (provavelmente nem tinha acabado mas, ouvindo a campainha, saiu à pressa). Ele continua imóvel, apenas a observa. A mulher começa a estranhar a situação, não o reconhecendo, “Desculpe, mas quem é? E o que deseja?” – pergunta a mulher, um pouco assustada. A sua respiração começa a ficar mais acelerada, lê-se desconforto nos olhos dela, “Olhe vou fechar a porta, desculpe, mas vou ter que fechar”, ela vai bater a porta, mais eis que ele a empurra. Completamente estarrecida, fica parada. O homem aproxima-se dela. Uma faca desliza-lhe da manga da gabardina, agarra-a, e desfere um golpe na barriga da mulher. A faca vai bem fundo, ele certifica-se disso enquanto segura a mulher, com força, impulsionando ainda mais, e rodando a lâmina já dentro do seu corpo, evaporando vida. A mulher, não sabendo muito bem como, arranja forças, pega no candeeiro, que se encontra pousado em cima da mesinha da entrada ao lado da porta e, dá com ele na cabeça do seu atacante. O impacto é violento partindo o candeeiro em bocados. Foi o suficiente para o fazer tombar. A faca sai, ao mesmo tempo a mulher solta um grito de dor horrendo. Ela começa a chorar, enquanto o sangue teima em cair de forma ininterrupta. A ferida é demasiado grande e, profunda; o assassino sabia o que estava a fazer, só não contava com a determinação da mulher. Sabendo que não podia ficar ali muito tempo, já que ele não iria ficar atordoado por muito mais tempo, ela tenta fugir pela porta da frente, mas era tarde demais, a mão dele agarra-a pelo tornozelo impedindo-a de continuar. Então decide voltar para trás, sobe as escadas, o mais rápido que consegue, mas o golpe é demasiado doloroso fazendo-a cair de joelhos a dois degraus do fim. Ela acalma a respiração, tenta concentrar-se, levanta-se usando o corrimão e, segue rapidamente para o seu quarto. Fecha a porta à chave, mesmo sabendo de que não lhe servirá de nada se o homem fizer mesmo questão de forçar a entrada. Levanta o auscultador do telefone e, marca o número de emergências – o 911. A respiração dela está agora mais acelerada do que nunca; o coração bate muito mais rápido que o normal, o golpe começa a causar os seus devastadores efeitos: tonturas, falta de força começam a assinalar-se. - Bom dia, ligou para o 911. Em que posso ajudar? – Perguntou uma afável voz feminina do outro lado da linha. - Rápido, preciso de ajuda, por favor. Um homem entrou dentro de minha casa e atacou-me com uma faca… meu Deus, por favor, menina envie alguém, por favor, não consigo estancar o sangue, não tarda nada ele recupera os sentidos e vem atrás de mim. – Ela mostra-se desesperada, e finalmente as lágrimas irrompem dos seus olhos. - Mantenha a calma minha senhora. Indique-me o seu nome. - Patricia… Patricia Falen. - Senhora Falen, explique-me a situação para que possa tomar as devidas providências. Ouvem-se passos subir as escadas, em direcção ao quarto. A porta começa a abanar, ele bate com o ombro com força, mas ela parece não ceder. - Mas que raio é que você não percebeu? Está um homem dentro de minha casa e, atacou-me com uma faca. Tenho um enorme golpe na barriga, e não sei como é que ainda não desmaiei. - Diz completamente indignada e, surpreendida com a aparente calma da rapariga, perante a situação. - Pronto senhora Falen mantenha-se calma. Indique-me a sua morada. - Eu moro na rua… – Depois de muito bater, a porta acaba por ceder. - Senhora Falen? – Pergunta a rapariga – Ouve-se um grito do outro lado da linha – Senhora Falen? – Volta a insistir, mas apenas se ouvem ruídos. O homem já a havia agarrado, puxou-a pelos longos cabelos castanhos e, atirou-a com uma veemência extrema para o chão, senta-se em cima dela, olha-a bem nos olhos e, desta vez não vai permitir que ela lhe escape, afinal de contas, é um profissional. Os gritos ecoam por toda a casa, mas ninguém os ouve. Gritos mudos que se perdem no ar. Ele puxa-lhe a cabeça para trás, ela agita-se e tenta com todas as suas forças, libertar-se, mas estas já lhe começam a faltar, pouco mais pode fazer além de aceitar. Ele levanta a lâmina bem alto, os olhos de Patricia fitam aquele pedaço de metal brilhante que mais uma vez se prepara penetrar o seu já flácido corpo. A mão dele desce rapidamente e, faz um corte tão leve como seda no pescoço dela. Um pequeno corte que é o suficiente para lhe retirar a restante vida. Ela começa a tremer enquanto o sangue jorra do pequeno corte, a cor azul dos seus antes brilhantes olhos, começa a desvanecer. Ele olha-a, com uma atenção diabólica, adorando cada momento, enquanto sente a vida dela escapar a cada batimento do seu coração. Ela resiste, não se quer deixar ir, não já. As suas mãos fecham com uma força surpreendente, os olhos fecham, lágrimas deixam-se passear pelo seu rosto, lágrimas revoltosas por sentir uma profunda dor contra Deus, contra o mundo, contra os pais do homem que neste momento a mata, perguntando-se no que errou, que mal fez ela para merecer tal final e deixar para trás a vida com que sempre sonhou. - Deixa-te ir, a dor desaparece. Apenas deixa-te ir, não tens mais nada a que te agarrar. – Diz ele com muita calma, transparecendo que não era a primeira vez que matava alguém. Aquelas palavras, ecoam na sua mente, o seu coração vai batendo devagar, concentrada no seu ritmo o momento chega. Toda a cor azul dos seus olhos deu lugar ao branco. A vida é como um pedaço de fumo, está sempre dentro de nós mas nunca o conseguimos agarrar, até que acaba por se diluir com o ar e, desaparece. Agora que o seu trabalho está feito, apenas a voz proveniente do telefone, ecoa pelos corredores da casa. Ele pousa o auscultador, e vai, levando consigo a vida e deixando a morte.